Sou Cláudia Magalhães, voluntária da Associação de Prevenção do Câncer na Mulher (ASPRECAM), e, há tempos, venho procurando um homem que tenha recebido o diagnóstico e passado pelo tratamento do câncer de mama, para poder relatar aqui no blog, ou em outras atividades da Associação, mas o acesso a esse tipo de informação sempre foi complicado, porque homens não gostam de falar sobre a experiência.
Quando vou fazer uma palestra sobre o tema Câncer de Mama em uma empresa onde trabalham homens e mulheres, digo à pessoa com quem estou tratando que o nosso público alvo são homens e mulheres de qualquer idade. A expressão de surpresa vem logo em seguida. Sempre me falam que talvez os homens não queiram participar ou não vão entender o convite. Eu sempre insisto e os resultados são os melhores possíveis.
Além do homem poder se tornar um paciente em tratamento, ele é também parte importante da rede de apoio de uma mulher nessa situação. A falta de informação sobre a doença pode ser um dos fatores que provoca o abandono de cerca de 70% das mulheres brasileiras, depois de receberem o diagnóstico.
Assim como nós, mulheres, nos abrimos para dar a outras mulheres informações que podem ajudar a compreender o adoecimento e as etapas do tratamento, diminuindo as barreiras causadas pela falta de conhecimento e pelo medo, esses homens, que passam pela mesma experiência, podem ajudar outros homens a tomarem consciência de que câncer de mama não é coisa de mulher.
Partindo do princípio de que todo homem possui no seu corpo a glândula mamária, não desenvolvida por falta de quantidade de hormônio feminino suficiente para isso, e que o câncer acontece a partir da alteração no DNA de apenas uma célula, a possibilidade de homens terem câncer de mama é clara e real.
Todos os fatores de risco para o câncer de mama, classificados como risco primário, também estão presentes na vida do homem. São eles: o sedentarismo, a obesidade, o tabagismo e o alcoolismo. Além destes, existem outros comuns aos dois sexos: o envelhecimento e o fator genético.
Outros fatores de risco são próprios do sexo feminino e muitos deles não podem ser alterados pelas mulheres, como: nascer mulher, a idade de início da menstruação e a idade de início da menopausa. O fator genético e o envelhecimento também estão nessa lista de fatores de risco que não podem ser alterados pelas mulheres.
Existem fatores que são escolhas e cabe às mulheres entenderem isso. São eles: o início do uso de hormônios, idade para engravidar, número de filhos e a amamentação. Então, não usar hormônios, a não ser em caso de tratamento, engravidar jovem, ter vários filhos e amamentá-los o máximo de tempo possível, são fatores que diminuem o risco de câncer de mama.
Relato pessoal: Câncer de mama em homens
Hoje eu venho falar sobre a experiência de um homem que, muito gentilmente, conversou comigo e autorizou que contasse a sua história.
Vou identifica-lo pelo nome Paulo. Este homem, hoje com 70 anos, é casado há 43 anos e tem uma filha. A família do Paulo, falando de irmãos e primos, tinha 04 homens e 06 mulheres. Se câncer de mama fosse coisa de mulher, seria o caso de haver um maior número de casos nas mulheres da família, mas no caso do Paulo, dos 04 homens, 03 (75%) tiveram a doença e apenas 01 (15%) das 06 mulheres.
Nenhum caso de câncer de mama na família, antes de 1992. Nesse ano, sua irmã teve câncer de mama, aos 48 anos.
Em dezembro de 2010, o seu irmão, na época com 60 anos, percebeu um ponto vermelho, como uma inflamação, no mamilo de uma das mamas. Procurou um médico que, depois de examiná-lo, diagnosticou como sendo uma espinha e receitou uma pomada antiinflamatória. Passado o uso da pomada e não tendo nenhum resultado satisfatório, seu irmão procurou um mastologista, que logo pediu os exames e fechou o diagnóstico.
Aquela espinha era, em realidade, um câncer de mama. Ele passou pela cirurgia e fez radioterapia. Hoje, está bem. Seis meses após o diagnóstico do seu irmão, ficaram sabendo que um dos 2 primos já havia passado pelo tratamento, mas não tinha comentado, talvez por se sentir constrangido.
Com essa realidade dentro da sua família, Paulo começou a fazer a mamografia anual em 2010 e, na segunda vez (2012), sua mastologista o chamou ao consultório para lhe dizer que havia aparecido alterações significativas nas duas mamas. Agendou logo a biópsia, que confirmou a suspeita. Paulo tinha câncer de mama bilateral, do tipo carcinoma ductal in situ.
É um tipo de câncer não invasivo, ou seja, as células cancerígenas não se espalham para outros órgãos. Eram pequenos, um deles media 2 milímetros e o outro 4, o que também favoreceu suas chances de cura. Quanto mais precoce é o diagnóstico, maiores são as chances de cura. O tratamento foi a cirurgia para a retirada das duas mamas. Atualmente, ele faz o acompanhamento com ultrassom de ano em ano, porque sabe que mesmo tendo retirado as glândulas mamárias, ficaram células que podem sofrer nova alteração.
Paulo passou pelo processo com tranquilidade e confiança, principalmente por ter o apoio da família e dos amigos. Comentou comigo que se sentiu perdido no início, por perceber que não existe um protocolo para o diagnóstico do câncer de mama masculino e que a falta de conhecimento está também dentro dos consultórios médicos. Ele chegou a consultar com 4 mastologistas, para se decidir pela cirurgia. Os médicos não estão preparados para essa realidade. Ele nunca se sentiu constrangido pela falta dos mamilos, mesmo com tantos olhares e cochichos das pessoas por onde passava.
Comentou que um dia uma pessoa se sentiu tão incomodada, que chegou a tocar no seu peito. Ele decidiu fazer a micropigmentação com uma super profissional chamada Liana Brito @lianabrit. Foi uma opção inicialmente difícil de fazer, mas lhe trouxe sentimento de plenitude e de satisfação com o resultado que vê no espelho.
Foto de Liana Brito, via @lianabrit
O câncer de mama em homens é bem mais raro, mas acontece, normalmente aparece em homens com mais de 60 anos.
Por ser raro, não existe a indicação da mamografia de rastreio, como no caso das mulheres. Por isso, ao primeiro sinal de um caroço na mama, próximo ao mamilo, retração do mamilo, dor unilateral na mama ou secreção saindo do mamilo, é bom agendar uma consulta. De preferência, com um mastologista. Portanto, o mais importante é que cada homem preste atenção a seu corpo.
Finalizo agradecendo a Paulo pela disponibilidade e o parabenizo pela atitude. Finalmente consegui adquirir mais esse conhecimento, para falar, com propriedade, sobre esse assunto durante as palestras e cursos realizados pela ASPRECAM.